Terceirização: A abstrata e metafísica insegurança jurídca.


Uma Lei específica para a terceirização volta aos debates na Câmara dosDeputados através do  Projeto de Lei 4330/2004, infelizmente uma discussão, há muito, contaminada pelo ideologismo retrógado, mas que continua atrapalhando a vida daqueles que ainda acreditam no Pais e investem seu capital para gerar lucro, é verdade, mas também gera e distribui riquezas. A terceirização foi um verdadeiro achado, a se transformar num elo estratégico para o setor produtivo, dando-lhe melhor performance para competir num mercado globalizado. A sua  regulamentação vem sendo discutida, pelo menos, desde 1997, quando o presidente Fernando Henrique enviou ao Congresso Nacional uma proposta, PL 4302/98, - já foi aprovado na Câmara e no Senado, e dormita na CCJC da Câmara desde 2008 - que visa modernizar a Lei 6.019/74 e regulamentar a terceirização de mão de obra no Brasil, nos moldes da Convenção 181 da OIT, que tem sido o norte jurídico para a regulamentação da terceirização no mundo desenvolvido e já foi ratificada por  27 Países. EUA, Inglaterra, Alemanha, por exemplo, não a ratificaram, pois suas leis são muito mais flexíveis. Nestes países o acordado tem mais força do que o legislado, aliás, sobre este assunto,  o governo brasileiro estuda proposta semelhante desde 2012, gerada no seio do  Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com base no modelo alemão. O chamado conceito flexicurity, que propõe maior fluidez no  mercado de trabalho, mas com a devida segurança no emprego e respeito aos direitos e condições de trabalho do trabalhador terceirizado. Ressalta-se que o relatório do PL 4302/98 aprovado na Comissão do Trabalho da Câmara também é do ex-deputado Sandro Mabel, autor do PL 4330/2004 que estará na pauta do Plenário da Câmara a partir do dia 07 de abril.
Pois bem, o título deste artigo, tem o propósito de trazer para discussão uma verdadeira anomalia jurídica, que é uma insegurança jurídica abstrata, que paira sobre a terceirização, na medida em que não há nenhuma lei que a proíba, (art. 5º, III da CF) bem ao contrário, existem  vários dispositivos que a permitem, a considerar que o fenômeno nada mais é do que  um contrato celebrado entre pessoas jurídicas legalmente organizadas, previsto no Código Civil de 1916 e incorporado pelo Código Civil de 2022. Neste sentido o Artigo 981 do Código Civil: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Isso sem falar no dispositivo constitucional contido no Parágrafo único do artigo 170, e até a malfadada intermediação de mão de obra, está permitida nos termos do  § 3º do Artigo 31 da Lei 9.711/98.
Neste diapasão  nos ensina o ex-ministro Almir Pazzianotto Pinto:
“Ao exercer os direitos conferidos pela Lei Superior, a sociedade enfrenta riscos, tanto mais acentuados quando se convive com a instabilidade econômica e jurídica reinante entre nós. Leis existem, no sentido de reconhecer a terceirização. Nenhuma que a proíba. Privá-la da possibilidade de contratar serviços, criando-lhe empecilho metafísico, produto da abstrata divisão das atividades em meio e fim, viola garantias constitucionais, gera intranquilidade, incrementa a propositura de ações judiciais, entorpece a economia, eleva custos e destrói empregos.” (Artigo: O destino da terceirização –  Publicado no Correio Brasiliense)
Porque então esta enorme sensação de insegurança? Simplesmente porque alguns magistrados e membros do Ministério Publico do Trabalho, alimentados por uma política suicida de algumas Centrais Sindicais, notadamente a CUT, carcomidos por uma ideologia totalmente ultrapassada, conseguiram aos moldes da doutrina usada pelos jesuítas, criar e sustentar essa atmosfera de insegurança, sustentado apenas na repetição incansável do mantra, de que a terceirização precariza, mas totalmente desacompanhada de qualquer fundamentação sólida, se apegam apenas na dignidade da pessoa humana, primeiro porque entendem que este fundamento constitucional se aplica somente aos trabalhadores, e em segundo lugar, menosprezam o  emprego advindo da terceirização, como se fosse uma anomalia na relação de emprego.  Todos, mesmo a pessoa jurídica, merecem ser tratado com respeito e dignidade.
Para entendermos melhor este mefistofélico processo, peço vênia para descrever parte do artigo: “A última chance” escrito pelo  jornalista Fernão Lara Mesquita, publicado no Jornal Estado de São Paulo de 17/09/2013, pag. A-2, a opinar sobre o caso “mensalão”, que pelo nexo causal devido ao  comportamento dos petistas à época, se encaixa perfeitamente no fenômeno da insegurança jurídica abstrata e metafísica da terceirização, nas palavras de Almir Pazzianotto. Escreveu o ilustre  jornalista:   (...) Nós, entretanto, aprendemos a pensar com os jesuítas. Seu sistema de educação, que durante séculos desfrutou um monopólio nas monarquias absolutistas, não partia de perguntas à realidade nem visava à aquisição do saber. Era um sistema defensivo que foi criado, se não pra negar, o que aquela altura já não era possível para contornar indefinidamente o confronto direto com os fatos de modo as sustentar a qualquer custo uma “verdade revelada” que era o fundamento último de todo  um sistema de poder e de uma forma de organização da sociedade que estavam ameaçados pela nova ordem que se insinuava. Não fomos, portanto, treinados para procurar a verdade, mas sim para “ganhar discussões”: para construir ou destruir argumentos, não importa em torno de quê.  E o truque que os jesuítas nos ensinaram para consegui-lo foi, primeiro, despir toda e qualquer ideia a ser discutida na sua relação com o contexto real que produziu para examiná-la como se ela existisse em si mesmo, desligada dos fatos ou das pessoas às quais se refere. Sem sua circunstância, a ideia transforma-se num corpo inerte, ao qual não se aplicam juízos de valor que são sempre necessariamente referidos a baliza do padrão ético e moral acatado pela sociedade num determinado momento histórico. Assim esterilizado, o raciocínio é, então, fatiado nos segmentos que o compõem, sendo a coerência interna de cada um deles examinada isoladamente nos seus aspectos formais, segundo as regras da lógica abstrata, as únicas que podem ser aplicadas a esse corpo dissecado.
Se qualquer desses segmentos apresentar a menor imperfeição lógica ou puder ser posto em contradição com qualquer dos outros, essa “imperfeição” contamina o todo e o debatedor está autorizado a denunciar como falso o conjunto inteiro mesmo que, visto vivo e dentro do seu contexto, ele seja indiscutivelmente verdadeiro. É um truque infernal, porque põe a verdade a serviço da mentira, o que torna mais difícil denunciá-la.”
Neste diapasão, se não mudou a lei, in casu, se quer existe, porque mudou a jurisprudência? Pergunta e responde o vice presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho: porque mudou a ideologia. Este processo, fugir da lei através de subterfúgios hermenêuticos para se aplicar uma ideologia ultrapassada, e principalmente fora de contexto, com a devida vênia, encontra no ministro Mauricio Godinho Delgado, o seu maior arauto, que quando trata do assunto terceirização, simplesmente resumeEstado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana...do trabalhador, esquecendo-se que o artigo 1º da Constituição da Republica também fala em cidadania, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Pelo menos o nosso ilustre Fernão Lara Mesquita, nos fez entender quem estamos a enfrentar um inimigo abstrato e metafísico, criado e sustentado com base no falso e na mentira, mas que conseguiu construir uma grande verdade, a insegurança jurídica, fato anômalo que nos coloca numa camisa de força, na tentativa de nos impedir de lutar por algo, que por tudo que foi dito, também é abstrato, que é a necessidade, real,  de regular a terceirização.
Por fim, para amenizar um pouco o tema levantado, sou obrigado a  reconhecer que o sistema abstrato e metafísico da insegurança jurídica, também ajudou na evolução do reconhecimento da terceirização, a considerar que o Enunciado 256 do TST, reformado pela Súmula 331, era muito pior,  pois  proibia tudo, com exceção dos serviços de vigilância e de Trabalho Temporário que já tinham leis específicas.